Por Reinaldo Azevedo
Publiquei ontem um artigo cujo título é “As primeiras lágrimas eleitorais de Dilma Rousseff”, que segue abaixo. Ela esteve em Belo Horizonte, onde tratou do tal programa (eleitoral) “Minha Casa, Minha Vida”. Avisou que estados e municípios estão fora da jogada — só entram no cadastramento, como empregadinhos da propaganda oficial — e chorou ao lembrar que é mineira. Brinco no texto abaixo que está em curso a construção publicitária da “mulher que endurece sem perder a ternura”. Mas ela também sabe fazer o contrário: “enternece sem perder a dureza”. Leiam atentamente trecho de reportagem publicada pela Folha. Volto depois.A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) questionou a autenticidade de um dos documentos referentes à sua prisão pelo regime militar publicado, com outros quatro, em reportagem da Folha no último dia 5. Segundo a ministra, a ficha em que ela aparece qualificada como “terrorista/assaltante de bancos” e da qual consta o carimbo “capturado” sobre a sua foto é uma “manipulação recente”. Dilma disse que o documento não consta dos arquivos em que ela mandou pesquisar. “A ficha é falsa, é uma montagem. (…) Estou, atualmente, numa discussão, tentando ver com a Folha de S.Paulo de onde eles tiraram aquela ficha, porque até agora ela não está em nenhum dos arquivos que pelo menos nós olhamos. Então, ela não é produto nem daquela época, ela é produto recente, manipulado, de órgãos ou de interesses escusos daqueles que praticaram esses atos no passado”, disse a ministra em entrevista à radio Itatiaia, de Belo Horizonte.
(…)
“Eu nunca militei em São Paulo nesse período que eles relatam na ficha. Eu morava em Minas. Tem datas aí [na ficha], de 1968, que eu não só morava aí [em BH] como estudava na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Tinha endereço certo e sabido.” Na sua reportagem, a Folha informava, na legenda sob a reprodução do documento, que a ministra não havia cometido crimes a ela imputados. Dilma disse ainda que, embora tenha ficado presa por seis anos, “infelizmente ou felizmente”, nunca foi julgada por participação em ações armadas. “Nunca fui julgada por nenhuma ação armada ou por um assalto a banco, porque as minhas circunstâncias foram essas, não os cometi.”
(…)
“A minha situação fica bastante desagradável para aqueles que defendem ou que houve ditadura branda no Brasil ou que no Brasil havia uma regularidade, naquele período, democrática. Nem uma coisa nem outra. Naquela época se torturava, se matou, se prendeu”.
(…)
“Muitas vezes as pessoas eram perseguidas e mortas… E presas por crime de opinião e de organização, não necessariamente por ações armadas. O meu caso não é de ação armada. O meu caso foi de crime de organização e de opinião, que é, vamos dizer assim, a excrescência das excrescências da ditadura”.
Comento
A reportagem da Folha traz uma Nota da Redação: “Tão logo a ministra colocou em dúvida a autenticidade de uma das reproduções publicadas, a Folha escalou repórteres para esclarecer o caso e publicará o resultado dessa apuração numa próxima edição”.
Vamos lá. Devagar com o andor porque o santo pode não ser de barro, mas é do pau oco. O documento a que a ministra se refere circula há muito tempo na Internet. Nunca o publiquei aqui porque não consegui comprovar a sua autenticidade — isto é: se vem mesmo dos arquivos dos órgãos se segurança do regime militar. Se é falso, a ministra tem razão de reclamar, e certamente a Folha fará a devida correção se necessário. Publico a imagem agora porque a própria Dilma se referiu ao documento, e o leitor tem o direito de saber do que ela está falando.
Pois bem. Quando foi presa, Dilma pertencia à VAR-Palmares, um grupo dedicado a ações terroristas. A ministra tem um jeito estranho de contar a história, justificando por que foi presa: “O meu caso não é de ação armada. O meu caso foi de crime de organização e de opinião”. Epa! “Organização” de quê? De chá das cinco? O que é que a VAR-Palmares “organizava”? Lembro algumas coisas (só algumas):
01/07/68 – A execução de Edward Ernest Tito Otto Maximilian Von Westernhagen, major do Exército alemão (na verdade, morto pela Colina, grupo que depois ajudou a formar a VAR-Palmares. Em 1968, Dilma era do Colina);
12/10/68 – Execução de Charles Rodney Chandler, capitão do Exército dos EUA;
31/03/1969 – assassinato do comerciante Manoel da Silva Dutra, durante assalto ao Banco Andrade Arnaud, no Rio. Carlos Minc estava no grupo.
11/07/69 – Assassinato de Cidelino Palmeiras do Nascimento, motorista de táxi (conduzia policiais em seu carro), decorrência do assalto ao Banco Aliança
18/07/1969 – Roubo do “Cofre do Adhemar”. O dinheiro nunca apareceu.
24/07/69 – O assassinato do soldado da PM-SP Aparecido dos Santos Oliveira, decorrência de um assalto a uma agência do Bradesco, de que a VAR-Palmares fez parte.
22/10/71 – Assassinato de José do Amaral, suboficial da reserva da Marinha;
05/02/72 – Assassinato de David A. Cuthberg, marinheiro inglês, de 19 anos, que visitava o Brasil com sua fragata. Quatro membros da VAR-Palmares estavam entre os executores. Crime do rapaz: seu uniforme representava o imperialismo inglês…
Não é preciso justificar tortura e ditadura para reconhecer que o que vai acima é uma lista de crimes. Então ficamos assim: concordamos em não passar a mão na cabeça de assassinos, estejam eles de um lado ou de outro da linha.
Um eventual erro jornalístico, que pode ser corrigido, não é desculpa para fraudar a história. Quem atua na organização de um grupo terrorista e homicida não tem por que se orgulhar, não. E noto que Dilma diz que “feliz ou infelizmente”, não participou da ação propriamente dita. “Feliz ou infelizmente”? Isso quer dizer que ela ainda tem dúvidas se os homicidas que estavam do seu lado agiram certo ou errado? Ainda hoje a ministra discrimina os assassinos? Os que eram seus aliados eram mais respeitáveis do que os adversários?
Se a ficha é falsa, que se corrija a informação. Mas é certo que, na “organização” da VAR-Palmares, Dilma não se encarregava de lavar pratos ou de cuidar da contabilidade. Ela tem todo o direito de ver a sua história contada de acordo com os fatos. E o Brasil também.
E que o eventual erro não seja usado como pretexto para tentar intimidar a imprensa. A ministra merece a verdade. Nada mais do que a verdade.
Saiba mais sobre Dilma Rousseff:
– O passado e o presente de uma guerrilheira
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