Uma viagem sem escalas e sem retorno.
Rogério Chociay
25/01/2007Este artigo expressa minha experiência com Linux, feita sobretudo com o Kurumin. Creio que contém alguns comentários interessantes e úteis para os leitores que estão ingressando no universo Linux.
25/01/2007Este artigo expressa minha experiência com Linux, feita sobretudo com o Kurumin. Creio que contém alguns comentários interessantes e úteis para os leitores que estão ingressando no universo Linux.
Minha experiência com Linux começou há cerca de três anos, quando adquiri a revista de informática PCMaster número 80, que apresentava como brinde um cedê do Linux Kurumin 2.12. Eu estava atravessando uma fase bastante curiosa de minha vida profissional: professor aposentado da UNESP, mas ainda vinculado à instituição como orientador e professor de pós-graduação, estava bastante insatisfeito com meus programas de computadores, que volta e meia travavam, especialmente após atualizações, o que era para mim terrível. Sem conhecimento de Informática, andei perdendo muitos arquivos com os travamentos dos programas. Meu computador, um velho PC133, Pentium III, 933 Mgz, tinha como sistema operacional um Windows ME que eu adquirira numa loja de departamentos, com atualização para XP, adquirido algum tempo depois. O ME já era campeão em travamentos, mas após a atualização para XP o processo ficou mais complicado ainda, e muitas vezes tive vontade de dar chutes nas paredes ao perder arquivos e emails armazenados. Provavelmente, tudo se devia a minha inabilidade de lidar com os programas, e não, necessariamente, aos sistemas operacionais em si mesmos.
Ora, quando coloquei o live cd do Kurumin 2.12 no drive e reiniciei o computador, nada aconteceu: entrou simplesmente o velho Win. O fato me forçou a ler com atenção o artigo da revista, e pude aos poucos entender. Hoje percebo que naquele instante estava deixando de ser um analfabeto em Informática e começava a ingressar no mundo fascinante do Linux.
Quando o Kurumin 2.12 finalmente entrou, com a melodia característica de inicialização, fiquei estupefato. Aquela tela brilhante, de paisagem de crepúsculo (ou alvorada), assustou-me um pouco, e confesso que nada fiz, senão desligar depois de alguns minutos sem fazer nada, com medo de estragar meu computador, se mexesse demais e erradamente no Kurumin (esta é uma das principais preocupações, hoje eu diria “superstições”, do usuário iniciante). Disse para mim mesmo, na ocasião, que Linux era um negócio complicado e que eu jamais conseguiria entender, se não fizesse um curso. Somente dois ou três dias depois minha curiosidade me fez ativar novamente o live cd, isso depois de reler o artigo da revista. Desta vez já entrei animado, com informações importantes, e arrisquei-me a navegar pelo programa, inclusive brincando com alguns games. No início fiquei agradavelmente surpreso com a quantidade de programas, o que no outro sistema seria impensável sem desembolsar um bom dinheiro. Em resumo: minha segunda experiência foi fascinante, mexeu realmente com minha curiosidade, minha imaginação e minha vontade de deixar de ser um simples usuário autômato para me transformar num usuário realmente ativo.
Quando, depois de alguns dias, resolvi fazer a experiência da instalação, percebi, gratificado, que estava fazendo uma escolha acertadíssima. O fato de o Linux ser gratuito enquanto o outro sistema operacional custa um preço escorchante deixava de ser uma das motivações principais para ingressar no universo Linux. Não era mais só questão de dinheiro, mas de satisfação pessoal, de sentir-me ativo e capaz de operações que, antes, tinha de levar a um especialista e pagar o preço. A instalação do Linux Kurumin me surpreendeu: facílima, didática, sem possibilidade de cometer erro grave. O particionamento pelo Fdisk ou pelo Qparted funcionava sem quaisquer problemas, ou, quando dava, era provocante procurar resolvê-los: formatar deixou de ser para mim um palavrão e passou a ser uma operação instigante; termos como montar, desmontar, descomentar me provocavam experiências novas. Até os erros que eu cometia eram gostosos, pois me levavam a novas descobertas. Levei algum tempo para ter coragem de instalar o diretório home numa partição separada, mas, quando o fiz, percebi que nunca mais perderia meus arquivos e emails.
Foram tantas as satisfações de usuário que percebe estar deixando a passividade e começando a “dominar a máquina”, que se torna difícil destacar uma delas. Creio, porém, que a conexão com a Internet foi vital para minha decisão futura. O Kurumin, por princípio, carrega consigo os principais drivers de instalação dos winmodems, e ao descobrir isso, e ao descobrir como era fácil acionar esses drivers, percebi que a viagem no Linux seria prazerosa. De fato, esta é uma característica do Kurumin que nunca me cansarei de louvar. Ouso afirmar que muitos usuários que experimentam outras distribuições Linux desistem ao perceberem como será complicado instalar drivers de winmodems ou softmodems. As reclamações verificáveis em qualquer forum de usuários o demonstram. O Kurumin, inteligentemente e com grande perspicácia das carências do usuário, facilitou tudo, possibilitando a instalação do dispositivo de fax-modem com um simples clique. Creio que os mentores do Kurumin tiveram ainda outra motivação, altamente louvável, para disponibilizar os drivers: o fato de que provavelmente a maioria dos brasileiros não dispõe ainda de conexão em banda larga, mas apenas por via telefônica e por meio da placa de fax-modem. Era exatamente esse meu caso na época, já que a banda larga não chegava em condições técnicas adequadas até minha residência. Sem o Kurumin e seus drivers, meu ingresso no universo Linux teria demorado ainda uns dois anos. Certa distribuição nacional fez exatamente o contrário: tentou impor um tipo específico de modem, que, curiosamente, é caro e quase impossível de se encontrar no mercado. Com isso simplesmente perdeu todos os usuários que têm placas de fax-modem no computador. Ou talvez não os queira, embora isso não combine com a filosofia Linux.
Quando já me acostumava com o Kurumin 2.12, chegou o 3.0 e mais coisas para aprender. Na versão 3.0 que instalei em meu computador não aparecia o ícone do disquete. Descobrir por que e como fazer para funcionar ou “montar” me levou a novo aprendizado. Entusiasmado, passei a fazer parte da promoção do Guia do Hardware, enviando uma importância e recebendo periodicamente as novas versões que iam surgindo. E fui experimentando todas, atualizando minha máquina, errando, acertando, reclamando de algumas alterações que demorava para perceber como funcionavam.
Essa mudança de hábito causada pelo universo Linux trouxe-me outra, também empolgante: criei coragem e fiz o que sonhava havia algum tempo: montei sozinho um computador. Isso, para um professor de Língua Portuguesa e Literatura não foi simples, teve alguns percalços, mas ao cabo de seis meses de leituras e releituras montei meu melhor computador do zero, comprando peça por peça e arriscando perder tudo numa manobra desastrada: placa Asus A7V8X-X, processador Athlon XP 2.400+, placa de vídeo GeForce, etc. Felizmente, não fiz nenhuma manobra desastrada e o computador funciona até hoje sem “dar pau”, como se diz na gíria da Informática.
Após todo esse processo de aprendizagem, criei mais coragem e experimentei praticamente todas as principais distribuições Linux atuais. Gostei bastante de algumas, mas sempre que tentei usá-las alternativamente ao Kurumin, percebi que haveria algum tipo de perda, em virtude, provavelmente, da familiaridade que passei a ter com essa distribuição, particularmente pela facilidade de operar o Lilo para configurar o menu de inicialização para todas as partições.
Contando agora com Internet banda larga, via DSL, tenho baixado as versões 6.1 e 7.0b com grande facilidade. Como tenho quatro computadores em casa conectados em rede doméstica (o que é facílimo com o Kurumin Linux e bem mais complicado em algumas outras distribuições), instalei o Kurumin 6.1 no computador que funciona como gateway (PC100, Pentium III, 550 Mgz) e o Kurumin 7.1b no computador mais potente (PC3200, Athlon XP, 2400+). Ambos funcionam perfeitamente, sem maiores problemas. Dentre todas as versões do Kurumin até hoje, destaco a 4.1, que simplesmente funciona em todos os meus computadores, até mesmo nos mais antigos que estão encostados na estante como relíquias. E estou entusiasmadíssimo com a 7.0b, que até o momento me parece perfeita e de inicialização rapidíssima. Certo receio que tinha de ser o Grub desta última versão mais complicado que o Lilo desapareceu logo na instalação: é até mais simples e eficaz e permitirá maior compatibilidade na instalação de outras distribuições em outras partições.
Que mais dizer? A julgar pelo que ocorre comigo e vejo que ocorre com as pessoas de minha família, que foram introduzidas por mim no universo Linux, creio que o Linux veio para ficar e para mudar o comportamento do usuário, que à medida que aprende vai se tornando cada vez menos dependente de terceiros para resolver os naturais problemas que surgem no seu computador. Hoje formatar, criar partições, memória swap, Lilo, Grub, montar, desmontar, descomentar, etc., vão se tornando termos naturais, do dia a dia em minha família. E todos usam o Firefox como navegador e o Thunderbird como programa de correspondência eletrônica. E todos nos tornamos freqüentadores assíduos do Guia do Hardware, que é, de longe, o melhor e mais completo site de distribuição Linux. Nunca saí sem resposta do Guia, todas as vezes que tinha uma dúvida. E muitas vezes fiquei mais tempo do que esperava, lendo matérias interessantes que me provocavam a novas experiências. Toda a informação para montar minha rede doméstica foi obtida com a leitura de um dos artigos de Carlos Morimoto. E tenho certeza de que, teimoso e curioso como sou, se continuar lendo com atenção, aprenderei até a programar em Linux. Não há barreira para a curiosidade e a determinação humanas.
Posso dizer, portanto, que minha viagem do sistema operacional anterior para o Kurumin Linux foi sem escalas e sem retorno. Como professor, poeta, pesquisador, revisor e ghost-writer, nada há hoje, no outro sistema operacional, que eu não faça, com muitíssima vantagem, no Kurumin. Sou hoje um defensor intransigente do código aberto, que não apenas é muito mais econômico, mas é mais democrático. E creio que se enquadra até mesmo muito melhor na ideologia capitalista, pois em vez de facilitar a dois ou três grupos multinacionais dominarem o mercado e imporem suas regras (o que é politicamente bastante perigoso), possibilita uma distribuição equitativa, permite que se criem centenas de milhares de empresas e milhões de empregos em todo o mundo, cria liberdade de ação e educa os usuários para a liberdade.
É esse o universo Linux.
Rogério Chociay é professor do Curso de Pós-Graduação em Letras da UNESP, câmpus de São José do Rio Preto-SP. Autor do livro Pontuação, Ponto por Ponto (São Paulo: Editora Íbis, 2005).
[Voltar]