Conflito norte-sul

Chegou a ser hilário o comportamento das forças brasileiras, componentes da Força de Paz da ONU, com a chegada dos soldados americanos ao Haiti.

Soldados, que diga-se, estariam no país devastado pelo terremoto numa missão que a princípio deveria ser humanitária e cuja intervenção causou espanto e estranheza, pela rapidez como os Estados Unidos mobilizaram sete mil homens e já partiram, aterrissando num piscar de olhos à área abalada.

Chegaram e foram tomando conta.

Literalmente ocuparam o prejudicado palácio do governo, com a missão imediata de proteger ativos financeiros de serem saqueados pela turba descontrolada e que pertenceriam a cidadãos americanos.

Primeiro protejamos o dinheiro americano, mediatamente pensemos nas vítimas haitianas… elas podem esperar.

Mas, a reação brasileira à chegada dos americanos foi típica de terceiro mundo, o expoente máximo do subjugo nacional, que o Itamarati bem conhece e talvez isto, refletiu no comportamento das forças.

Com os americanos ocupando os arredores do palácio, os patrícios sentiram-se ofendidos, acostumados que estavam a mandar prender e soltar – a Força de Paz controla inclusive a polícia local – e a fogueira das vaidades começou a crepitar.

Reagiram e rápido à “ocupação” americana. Duzentos homens e seis blindados cercaram a parte externa, além dos muros, dos jardins do palácio; acintosamente montou-se um posto de distribuição de alimentos e água, bem à frente do acampamento dos “gringos inimigos”.

O comandante-em-chefe da força, general Floriano Peixoto sentiu-se realizado. Sua entrevista, do tipo “aqui nós mandamos e ninguém tasca”, aos canais de televisão “lavou a alma” do brasileiro, sempre “inferior a tudo” na visão do Itamarati.

No plano interno, leia-se Palácio do Planalto, diferentemente da praxe, agiu-se rápido, com o governo anunciando o aumento do efetivo militar, que já nos custa quinhentos milhões de reais por ano e que agora, irá dobrar; também, ao invés de quinze, iremos contribuir com 400 milhões de dólares para a reconstrução do país; e, um navio com homens e suprimentos será deslocado para Port-aux-Prince.

Para ter-se uma idéia da seriedade da coisa, que ameaçava descambar e acabar em desforço pessoal envolvendo Norte/Sul, esta semana, reunidos no Canadá os autodenominados “Amigos do Haiti”, Brasil e Estados Unidos no meio, saíram da reunião, com a representante americana Hillary Clinton falando em “conciliação” e o representante brasileiro em “devolver” o Haiti para os haitianos.

“Conciliar” o quê? “Devolver” para quem?

Conciliar pressupõe disputa, conflito e devolver significa tornar a quem expropriou-se.

São interrogações que ambos os países não respondem e deixam-nos perguntando: um país arrasado por um terremoto que ceifou milhares de vidas e deixou mais de milhão desabrigados, precisa deste tipo de salvadores?

Ora, vão cuidar de seus problemas internos! Que o Brasil tem e muito sérios e os Estados Unidos também.

Só para recordar: a dívida pública brasileira (um trilhão e setecentos bilhões de reais) é a terceira maior do mundo, só superada por Itália e Estados Unidos (mais de dez trilhões de dólares de déficit em transações correntes); nossa dívida externa supera os duzentos bilhões de dólares; nosso parque industrial, que já chegou a ser o quinto do mundo, hoje é o décimo-quarto; nossas exportações de manufaturados, bem como a entrada de investimentos externos produtivos despencaram em 2.009. São dados que o governo simplesmente escamoteia, por quê não convém divulgar.

Ante este quadro, disputar com os Estados Unidos a hegemonia no Caribe é delírio terceiro-mundista, que só pode passar pela cabeça de pseudo-líderes, dos quais já estamos saturados.

Luiz Bosco Sardinha Machado

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