Está em 5×5 o escore no julgamento do Mensalão. O que significa esse notável empate? Muita coisa, e não apenas na economia interna da Suprema Corte. Ficou claro que os “novatos” se alinharam politicamente aos mensaleiros e suas teses jurídicas têm servido apenas para justificar a sua subserviência ao partido governante.
Mas o empate é demasiado significativo, pois representa uma transição para os novos tempos, sob o governo do PT. Evidente que não há divergências ideológicas entre um Joaquim Barbosa e um Luiz Eduardo Barroso, ambos indicados pelo PT para a Corte e ora em pólos opostos. Mas há, entre ambos, uma diferença abissal: o voto do Joaquim Barbosa é pautado unicamente pela sua consciência jurídica, enquanto que a do Barroso, como de resto o voto dos demais “novatos”, por substância política.
O argumento jurídico poderá ser suplantado pelo argumento político e nisso consiste toda a tragédia, se vier a vitória dos que acatam os embargos infringentes. É nesse ponto que teremos a ruptura da ordem institucional, pois a autonomia do Poder Judiciário poderá desaparecer, ela que já não é grande.
A ordem do partido é minimizar ou mesmo derrogar as condenações e, para isso, os novatos foram escalados. A Corte de agora é bem diversa daquela que prolatou as condenações. O alvo é sobretudo a figura exótica de José Dirceu, o chefe guerrilheiro que comandou o Mensalão, mas também José Genoíno, seu fiel escudeiro de tramóias guerrilheiras e mensaleiras. O ministro Marco Aurélio de Mello foi muito feliz, ontem, ao ironizar sobre o elogio que José Roberto Barroso fez a José Genoíno. Feito que foi repetido por outros ministros, poderia ele ter lembrado a tempo, para opróbrio da Corte.
Perdoar crimes comprovados e já julgados é o oposto da Justiça.
Emblemático o voto do ministro Gilmar Mendes: “Diante do Mensalão, os crimes do Donadon deveriam ser julgados no Tribunal de Pequenas Causas“. Quis dizer com isso que não há nada que justifique a revisão das sentenças do crime de formação de quadrilha, nem matéria de direito e nem mesmo a dosemetria das penas, que até aliviou para os condenados, pois não receberam a máxima pena.
Resta aguardar o voto do ministro Celso de Mello, que tem, nos últimos tempos, sido aclamado como um “garantista” e, por isso, votaria pelo aceite dos embargos infringentes. O ministro Celso de Mello é uma figura de proa das letras jurídicas do Brasil e tem impecável folha de serviços como judicante. Seria desastroso para sua biografia, em vésperas da aposentadoria, prolatar um voto claudicante, a favor dos mensaleiros.
Mais do que ninguém, o ministro Celso de Mello sabe que não se trata de garantia coisa nenhuma. Tão certo como o nascer sol é que a composição da nova Corte irá reformar as sentenças já prolatadas e aceitar os embargos é fazer letra morta da coisa já julgada. Os ministros mais “liberais”, os “novatos”, é que dariam a palavra final sobre o julgamento do Mensalão, carregando nas tintas políticas em prejuízo dos argumentos jurídicos.
Não preciso dizer do tamanho da imoralidade de um gesto dessa envergadura, razão pela qual espero que o ministro Celso de Mello vote exclusivamente com a sua consciência jurídica e ponha um ponto final nesse longo julgamento, mandando logo os mensaleiros para a cadeia.
Se algo diferente nascer na próxima sessão do STF inúmeros problemas serão criados na área processual e os futuros julgamentos poderão ser eternizados.Justiça que não se concretiza não é Justiça. Perdoar crimes comprovados é injustiça. Mais que isso, uma ilegalidade. Nos mãos do ministro Celso de Mello está depositada a respeitabilidade do STF. Disso depende também a independência da Corte.