OSCAR VILHENA VIEIRA
MARTIN BOHMER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A proeminência assumida pelo Judiciário em muitos países latino-americanos, volta e meia, provoca reações irracionais do mundo político.
Assistimos recentemente a verdadeiros processos de intervenção na Justiça, sob o argumento da democratização, na Venezuela, no Peru e no Equador. Esses processos de “democratização” começam a chegar a Brasil e Argentina?
A presidente Cristina Kirchner enviou ao Congresso um pacote de leis que promoveu ampla reforma judicial, sob o pretexto de democratizá-la. Entre as medidas mais preocupantes, criaram-se câmaras de cassação, alterou-se a composição do Conselho de Magistratura e cresceram as exigências para pedidos de medidas cautelares.
Apesar de ter sido apresentada como instância que dará mais agilidade aos procedimentos judiciais, as câmaras de cassação servirão sobretudo como filtro à atuação da Corte Suprema e mecanismos de disciplina de juízes das instâncias inferiores.
Essa mudança está ligada à reforma do Conselho da Magistratura, integrado por representantes de Executivo e Legislativo, juízes, advogados e acadêmicos. Segundo a lei, eles passam a ser eleitos pela população –detalhe, dentro das listas dos partidos.
Com as modificações, se um partido conquista o Executivo, a maioria do Congresso e a maioria dos representantes do conselho, ele controlará virtualmente os três Poderes e ainda terá competência para ameaçar com sanções membros do Judiciário.
A última proposta restringe a capacidade dos cidadãos de se verem protegidos ao propor medidas cautelares em ações envolvendo o Estado, resgatando, no direito argentino, a velha concepção estatal de que o interesse público (entendido como decisões do governo) se sobrepõe aos direitos dos cidadãos.
No Brasil, a PEC 33/2011, aprovada em 24/4 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que tem entre seus membros dois réus do mensalão, também tem como justificativa a democracia.
Entre as medidas está a ampliação da maioria (4/5) necessária para que os tribunais declarem a inconstitucionalidade de leis, sob a justificativa de favorecer o Parlamento em detrimento do Judiciário. De fato, a proposta inviabilizará o sistema de controle de constitucionalidade, restringindo enormemente a possibilidade da Justiça de controlar atos arbitrários e inconstitucionais produzidos por outros Poderes.
A PEC também busca minimizar a importância da Justiça no controle de constitucionalidade de emendas à Constituição –em decisões do tribunal, quando houver dessintonia entre Parlamento e Judiciário, a solução deveria ficar à população.
Esse desenho não ofende uma concepção majoritária de democracia, mas fragiliza a proteção dos direitos de minorias ou mesmo de alguns pressupostos habilitadores do processo democrático.
O que poderia fazer nosso Judiciário se, num arroubo autoritário, governantes ordenassem restrições à liberdade de expressão, aos direitos trabalhistas ou à possibilidade de organização de minorias partidárias? Nada. Há exemplos históricos desses arroubos. Não devemos repeti-los: os custos são muito altos para a própria democracia.
OSCAR VILHENA VIEIRA é professor de direito constitucional da FGV e membro da Iladd (Iniciativa Latino-Americana para o Direito e a Democracia).
MARTIN BOHMER é professor da Universidades de Buenos Aires e da Universidade de San Andrés, pesquisador da Cippec (Centro de Implementación de Políticas Públicas para la Equidad y el Crecimiento) e membro da Iladd.
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