Por um FLISOL exemplar

Colaboração: Alexandre Oliva

Data de Publicação: 25 de março de 2015

A premissa fundamental do Movimento Software Livre é a de que software privativo de liberdade é um poder injusto que subjuga seus usuários. Nossa estratégia para resolver esse problema social é informar, conscientizar e inspirar usuários para resistir a esse subjugo, rejeitando software privativo de liberdade, para que essas linhas de negócios deixem de ser atraentes e deixem de fazer vítimas.

Para formar resistência suficiente, precisamos difundir os valores, princípios, objetivos e estratégias do Movimento Software Livre. Objetivos e estratégias podem até ser ensinados e aprendidos com palavras: manifestos, artigos, palestras e debates. Mas para ensinar e aprender valores e princípios, exemplos falam muitíssimo mais alto que palavras. Com que exemplos o FLISOL da sua cidade vai ensinar os valores e princípios do Software Livre?

Um visitante que tenha levado seu computador a uma sede do Festival Latinoamericano de Instalação de Software Livre, para experimentar Software Livre, pode assistir ou não às palestras, mas seguramente espera sair do evento com Software Livre instalado no computador. Não necessariamente GNU/Linux-libre, pois há outros sistemas operacionais Livres, nem mesmo um sistema operacional, pois o que normalmente importa aos usuários são os aplicativos. Cumpre a nós, do Movimento Software Livre, utilizar essa oportunidade para, além de instalar Software Livre na máquina, preparar o usuário para nos ajudar na resistência ao software privativo de liberdade, compartilhando as ideias do movimento. Essencial para que isso funcione é se comportar de modo compatível, pois palavras ensinam valores menos que o exemplo.

As mais populares distribuições de GNU/Linux não estão alinhadas com o Movimento Software Livre, pois oferecem e instalam software privativo de liberdade. O problema mais comum são controladores privativos (drivers ou firmware) para componentes de hardware com especificações secretas. Os fabricantes desses componentes pretendem mantê-los incompatíveis com a liberdade do usuário, dificultando o desenvolvimento de Software Livre que cumpra função equivalente.

Informar usuários sobre essa incompatibilidade é essencial, para que melhor compreendam a raiz e origem do problema e possam levar isso em conta quando forem comprar seu próximo computador. Certamente instalar uma distribuição que busca esconder esses problemas dos usuários não ajuda a informá-los, por isso mesmo parabenizo a iniciativa da petição para que o FLISOL deixe de instalar Ubuntu, bem como a adoção de recomendação nesse sentido pela coordenação nacional brasileira e por várias sedes. Começar por reduzir a maior transgressão é um ótimo primeiro passo! Mas não chega a resolver o problema de coerência do FLISOL com o Movimento Software Livre.

Para um novo usuário, a instalação de uma distribuição 100% Livre pode muito bem funcionar 100%, mas do contrário abrirá caminho para explicar o problema do hardware incompatível com a liberdade. É óbvio que a notícia da incompatibilidade será desapontadora para muitos visitantes, e muitos instaladores podem ficar de coração apertado se não “ajudarem” o visitante a instalar blobs e drivers privativos de liberdade exigidos pelo hardware, ou plugins “necessários” para que distribuidores de obras autorais de entretenimento tomem o controle do computador do visitante. São dilemas sem solução favorável: é preciso decidir entre comunicar que algum software privativo de liberdade é aceitável e até desejável, ou arriscar afastar um usuário ao mostrar a importância da resistência firme ao software privativo de liberdade.

Se uma oferta para instalar aplicativos Livres no sistema operacional privativo já instalado não empolgar, orientação sobre as possibilidades de substituir os componentes incompatíveis pode ajudar um pouco e dar um bom exemplo da importância da resistência. Por outro lado, oferecer software privativo de liberdade para fazer o componente funcionar pode até parecer ajudar mais, mas transmite exatamente a mensagem contrária à necessária para formar a resistência ao software privativo de liberdade. Mesmo uma visível hesitação pode parecer descaso ou hipocrisia se a ação contrariar os princípios.

Afinal, se instalar software privativo em quantidades cada vez maiores fosse a solução do problema de componentes de hardware incompatíveis com a liberdade, por que parar no firmware, ou nos drivers? Num computador com Boot Restrito, daqueles que impedem a iniciação de sistemas operacionais alternativos, o software privativo necessário para fazer um GNU/Linux funcionar é o Windows, inteiramente privativo, e um ambiente de execução de máquinas virtuais, igualmente privativo.

Mas ninguém (além da própria Microsoft, suponho) pensaria em instalar Windows num festival de instalação de Software Livre. Por que, então, instalam-se tantos outros programas privativos no FLISOL? Não são eticamente melhores que o Windows! O receio de que, sem eles, o usuário volte ao software privativo é medo d'”A volta dos que não foram”: usando GNU/Linux com blobs, o usuário jamais terá deixado a escravidão do software privativo de liberdade, no máximo terá mudado de feitor. Na liberdade, como na segurança, é o elo mais fraco da corrente que se rompe e põe tudo a perder.

Uma conversa franca e honesta com o usuário fará muito mais pelo Movimento Software Livre que instalar uma distribuição com componentes privativos, ou mesmo que instalar uma distribuição 100% Livre que não funcione bem no computador incompatível. Afinal, o visitante seguramente poderá encontrar na Internet receitas para instalar o software privativo de liberdade que fará o componente funcionar. Porém, graças às ideias da conversa e ao bom exemplo observado, entenderá que sua decisão é pessoal, que ninguém deve tomá-la em seu lugar, e que trata-se apenas de um sacrifício temporário de sua própria liberdade, até que uma solução esteja ao seu alcance. Bons exemplos, conselhos e ideias ajudarão a manter o usuário no caminho para a liberdade, mesmo que seja longo e árduo.

Mas se, ao invés de receber um exemplo firme e fundamentado de resistência ao software privativo de liberdade, o visitante observar seu mentor e seus pares oferecendo e preferindo instalar software privativo de liberdade, tenderá a se tornar mais um multiplicador da contracultura do Software Livre. Tampouco hesitará em instalar distribuições com software privativo de liberdade, em decidir por outros quais liberdades sacrificar e em se opor às sugestões e aos pedidos de que futuros FLISOLis se comportem de forma compatível com o Movimento Software Livre. Com seu exemplo e atitude, propagará sua resistência às nossas ideias, dificultando ainda mais a formação da resistência ao software privativo de liberdade.

Muito menos importante que o software instalado é a mensagem transmitida pelo FLISOL. Porém, o software ofertado e instalado, enquanto exemplos, são parte importantíssima da mensagem, pois quando palavras e exemplos são contraditórios no ensino de valores, com maior frequência prevalecem os exemplos. Então, com que exemplos você vai ensinar, no FLISOL da sua cidade, os valores e princípios do Movimento Software Livre? Com que exemplos vai reforçar a necessária e urgente resistência ao software privativo de liberdade? Como vai motivar o FLISOL a adotar, como mais uma de suas regras internacionais, os bons exemplos de resistência ao software privativo de liberdade, para que deixe de minar nosso movimento e nossa resistência e se torne um Festival Latinoamericano de Instalação de Software Livre Mesmo, um FLISOL exemplar?

Copyright 2015 Alexandre Oliva

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