Na propaganda partidária veiculada no rádio e na televisão, o Partido dos Trabalhadores (PT) tenta pegar carona na crescente indignação popular com a corrupção que está contaminando todo o aparelho estatal e só não se encontra onde não é procurada. Proclama o partido de Lula & Cia. que nunca antes na história deste país “nós” colocamos tantos corruptos atrás das grades como agora. É verdade. Puxaram a fila os principais dirigentes do PT condenados no rumoroso processo do mensalão, aquele que até um ano atrás era considerado o maior escândalo de corrupção da história da República. Mas há outras verdades.
É verdade, por exemplo, que o PT não inventou a corrupção, mal crônico enraizado na política brasileira pela mentalidade patrimonialista que prevalece desde os tempos coloniais. A elite petista apenas aperfeiçoou as práticas da corrupção na vida pública, que foi transformada, a partir de 2003, em método de um projeto de poder focado também no populismo. Populismo e corrupção, corda e caçamba, indissociáveis por definição, compõem a legenda que passou a significar o PT no poder. Senão, vejamos.
Para consolidar uma base de apoio parlamentar e garantir a governabilidade, ao assumir a Presidência Lula fez aquilo que todo governante faz: foi atrás de aliados. Sabendo, porém, que precisaria lidar com pelo menos “300 picaretas”, aqueles maus políticos que denunciara 10 anos antes, Lula não fez por menos: escolheu a dedo os líderes políticos que o PT passara a vida toda atacando ferozmente, acusando de corruptos e exploradores do povo, desde os tradicionais coronéis do Norte e do Nordeste aos mais notórios representantes da odiosa “elite” do Sudeste. José Sarney e Paulo Maluf são exemplos que dispensam comentários.
Quando estourou o escândalo do mensalão – a primeira manifestação da corrupção a serviço do projeto de poder do PT -, Lula ensaiou um tímido ato de contrição, ao afirmar que os envolvidos deviam um pedido de desculpas aos brasileiros. Mas mudou de ideia rápida e radicalmente quando as urnas de outubro de 2006 o reconduziram à Presidência. Passou a proclamar que o mensalão era “uma farsa” que ele próprio se encarregaria de “desmontar”. E àquela altura, como se sabe hoje, já estava em fase adiantada de montagem, dentro da Petrobrás – e sabe-se lá onde mais -, o processo de metástase da corrupção no aparelho estatal. É esse o partido dono do poder – hoje, já nem tanto -, o PT, que finge agora ser o principal inimigo da corrupção.
Existe ainda outra verdade a ser desvendada por detrás da tentativa lulopetista de posar de paladino da probidade, responsável pela prisão, em número sem precedentes, de assaltantes dos cofres públicos. O PT é governo, pelo menos de direito, mas pensa que é também o Estado. A bem da verdade, a distinção entre os conceitos de Estado, governo e nação não é exatamente de domínio público e se constitui frequentemente em motivo de divergências entre teóricos das ciências humanas. Mas pode-se dizer, para simplificar, que Estado é a entidade político-social cuja identidade está definida em sua Constituição, instituição essa organizada para representar e defender os interesses de seus cidadãos. Governo é o agente que administra o Estado, que executa políticas e programas que o País reclama. O Estado é permanente; o governo, transitório.
Quando se trata do combate à corrupção, como a qualquer outro crime, a responsabilidade constitucional cabe aos órgãos do Estado, como o Poder Judiciário, o Ministério Público (MP) e a Polícia Federal (PF), com autonomia funcional e administrativa garantida pela Constituição. Quem reprime a corrupção, portanto, não é a presidente da República ou, muito menos, seu partido. Tanto a Justiça, como o MP e a PF não são “do PT”, como quer fazer crer a propaganda enganosa desse partido, mas órgãos do Estado, com atribuições definidas pela Constituição Federal, que não dependem da boa ou da má vontade dos poderosos de turno para cumprir sua missão. O máximo que o governo e seu partido podem alegar em benefício próprio é que jamais tentaram – uma versão sempre à espera de confirmação – interferir no trabalho dos juízes, dos procuradores ou dos policiais. E, sendo isso verdade, não é mérito. É apenas obrigação de quem tem a responsabilidade de governar.
Publicado na edição desta quarta-feira (15), no jornal O Estado de S.Paulo.