FHC precisa ensinar a Lula que homens honrados não têm nada a conversar com quem só sabe falar a linguagem da infâmia
Lula anunciou no começo do mês a descoberta da fórmula que garantiria à detentora do recorde mundial de rejeição a reconquista do título de campeã brasileira de popularidade: bastaria abandonar por uns tempos o local do emprego e sair por aí tapeando plateias que amam vendedores de fumaça. “Ela conviveu muito tempo comigo e sabe que, nas horas difíceis, nas horas mais difíceis, não tem outra alternativa a não ser encostar a cabeça no ombro do povo”, pontificou o doutor honoris causa em bravata & bazófia. “É preciso conversar com ele, explicar quais são as dificuldades e quais são as perspectivas”.
Para sorte da afilhada, nem o padrinho onisciente sabe onde fica essa parte da nação: se Dilma conseguisse encostar a cabeça no ombro do mundaréu de indignados, vaias e panelaços nunca antes ouvidos neste país produziriam estragos de bom tamanho no aparelho auditivo presidencial. Prudentemente, o neurônio solitário só se aproximou de plateias que aplaudem até acessos de tosse. Nem por isso escapou de afundar mais alguns metros na pesquisa divulgada pela Confederação Nacional dos Transportes. A mulher que não diz coisa com coisa talvez adiasse o afogamento se não tivesse dito tanta coisa de assustar doido de pedra.
Entre outros prodígios, saudou a conquista da mandioca, ordenou à homenageada que comungasse com o milho, descobriu a mulher sapiens, inventou o etanol que dá em planta, pintou de verde e amarelo o combustível brasileiríssimo, virou mais uma vez a página do Petrolão que a Operação Lava Jato ainda está escrevendo e enxergou na roubalheira da Petrobras a versão 2015 da Inconfidência Mineira, fora o resto. A bula do remédio receitado por Lula decerto omitiu a lista de efeitos colaterais. Um deles deixa com cara de suplente de vereador presidentes da República reeleitos seis meses antes.
O formidável fiasco não desativou a fábrica de ideias de jerico, revelou a Folha nesta quarta-feira. Acuado pela enxurrada de más notícias procedentes de Curitiba, Lula resolveu transformar Fernando Henrique Cardoso na corda que vai resgatá-lo do buraco negro em que se meteu. Sempre sinuoso, valeu-se de emissários para saber se FHC toparia um encontro clandestino. Gente que mente só se sente à vontade em conversas a dois: a ausência de testemunhas permite a divulgação de versões sem qualquer compromisso com a verdade.
É o que faria o camelô de empreiteira se o alvo do truque não tivesse desmontado a armadilha com um email publicado pela Folha: “O presidente Lula tem meus telefones e não precisa de intermediários. Se quiser discutir objetivamente temas como a reforma política, sabe que estou disposto a contribuir democraticamente. Basta haver uma agenda clara e de conhecimento público”. Os acólitos juram que o chefe da seita estendeu a mão ao inimigo por amor à pátria. Quer ajuda para manter Dilma no emprego. Papo de 171. Lula só pensa em Lula. O que pretende é salvar-se a si próprio — e prorrogar a sobrevida do sonho de voltar ao gabinete presidencial.
O que FHC precisa ouvir é a voz do país que presta. Não se tira para uma valsa quem só sabe dançar quadrilha. E o sentimento da honra não foi revogado pela era da canalhice. Desde 2003, quando acusou o antecessor de ter-lhe repassado uma “herança maldita”, o grande farsante não parou de atribuir ao homem que o derrotou duas vezes (ambas no primeiro turno) todos os males do Brasil. Primo da inveja, o ressentimento nunca passa. Há dois meses, o governante que jamais leu um livro atribuiu ao sociólogo brilhante até a paternidade do escândalo nascido e criado na cabeça baldia do chefão do bando gerenciado por José Dirceu.
“Quem criou o Mensalão foi o governo do FHC, quando estabeleceu a reeleição no país”, fantasiou em 12 de maio o São Jorge de bordel. A invencionice cafajeste foi reprisada uma semana depois: “Se o FHC quisesse falar de corrupção, ele precisaria contar para este país a história de sua reeleição”, reincidiu o palanque ambulante em 20 de maio. “Eu espero que, com a mesma postura com que ele foi agredir o PT ontem à noite na TV, ele diga ─ se não quiser dizer para mim não tem problema, eu sei como foi. Senta na frente do seu neto e conta pra ele”. Caso sobrasse tempo, o avô também deveria confessar que quebrou três vezes o Brasil.
Por que Lula e Dilma querem agora ouvir o que pensa o Grande Satã? Por que o maior dos governantes desde Tomé de Souza anda mendigando encontros com o ex-presidente que o obrigou a reconstruir a nação em frangalhos? Porque sempre que se vê em apuros o espertalhão de ópera-bufa faz qualquer negócio para safar-se da enrascada. Até vender a mãe em suaves prestações e entregá-la em domicílio. Ou fingir que não liga o nome à pessoa quando alguém pergunta se conhece Rosemary Noronha.
Por Ruth Cardoso e por milhões de vítimas da grande farsa, por tudo isso e muito mais, Fernando Henrique tem o dever de ensinar a Lula que gente honrada não desperdiça palavras com quem só sabe falar a linguagem da infâmia.
Reportagem original aqui