Ernesto Caruso
O julgamento no STF, neste outubro rosa, das Ações Declaratórias de Constitucionalidade é a ponta do iceberg diante do impacto na sociedade do que pode ocorrer devido ao mais novo remendo na jurisprudência.
Concordes com a prisão em segunda instância manifestaram-se os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso e Luís Fux. Contrariamente, até a sessão do dia 24/10/19, posicionaram-se os ministros Marco Aurélio, relator, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Alguns aspectos do voto do ministro Lewandowski requerem acurada observação.
De início diz o ministro, “Antes de proferir meu voto, recordo que ao ser empossado no cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal… assumi o solene compromisso de cumprir a Constituição e as leis da República, sem concessões a opinião pública ou publicada e nem a grupos de pressão. E desse compromisso jamais me desviei…”.
O compromisso está previsto no Art. 15 do Regimento Interno, § 1º, “No ato da posse, o Ministro prestará compromisso de bem cumprir os deveres do cargo, de conformidade com a Constituição e as leis da República.”. Só isso.
No entanto, apesar da firmeza do intróito ao voto, a nação brasileira assistiu o fatiamento do Art. 52 da Constituição, cujo parágrafo único diz “limitando-se à condenação… à perda do cargo, com inabilitação… para o exercício de função pública.”.
Mas, para Lewandowski, que presidia o Congresso na sessão do impeachment de Dilma Roussef, a Constituição foi respeitada a despeito da opinião pública, pressões e pareceres de renomados juristas.
A reforçar a infidelidade, além da cristalina expressão ”… perda do cargo, com inabilitação… para o exercício de função pública”, ou seja, por adição/conexão, um elemento com o outro, basta ler o Roteiro para a sessão de julgamento, nos itens resumidos:
– “26. Antes da votação, o presidente formulará o quesito que deverá ser objeto de julgamento…: cometeu a acusada, a senhora presidente da república… os crimes de responsabilidade… que lhe são imputados e deve ser condenada à perda do seu cargo, ficando, em consequência, inabilitada para o exercício de qualquer função pública…? – 27. Os Senadores que entenderem que a acusada deve ser condenada à perda do cargo e à consequente inabilitação, pelos crimes… responderão…”.
A recordar lições do idioma, a preposição “com”, tipo de relação considerada conexão, a ligar palavras em processo de subordinação (regência) o primeiro, antecedente, regente, o segundo, consequente, regido.
Precavendo-se quanto ao futuro e para assegurar a liberdade dos que têm em mente, dá uma aula sobre a rigidez das Constituições, a admitir as modificações, por legisladores ou pelos juízes, mediante interpretação, mas ressalta: “ela jamais poderá vulnerar os valores fundamentais sobre os quais se sustenta”.
Chega onde deseja, ao abordar as cláusulas pétreas, definidas na Constituição Federal, Art. 60, § 4º, “os direitos e garantias individuais”. Daí, aborda o tópico da “presunção de inocência, com toda a certeza, a mais importante das salvaguardas do cidadão”, farol que fundamenta o seu voto e como ação preliminar, dá o recado ao Congresso Nacional, onde já tramita emenda a barrar ou esmaecer a impunidade.
Acaricia. Chama os colegas de compreensíveis, mas ingênuos por acreditarem que assim melhor contribuirão para combater a corrupção, e, a seguir, admoestá-los: “Nem sempre, contudo, emprestam a mesma ênfase a outros problemas igualmente graves, como o inadmissível crescimento da exclusão social… desemprego… sucateamento da saúde pública e… esfacelamento da educação estatal, para citar apenas alguns exemplos…”.
O voto da ministra Rosa Weber não surpreendeu. Textos conflitantes, das posições assumidas, “prendendo ou soltando” em função da colegialidade, para sintetizar na discordância do que praticava em vários processos que relata, para, conclusivamente acompanhar o voto do relator das ADC.
Vejamos: “… Voltou a prevalecer, desde então, 17.02.2016, neste Supremo… a tese de que não comprometida a presunção de inocência pela execução antecipada da pena… E minha postura… foi a de acatar o entendimento sedimentado pelo Plenário… decidir em conformidade com a jurisprudência do STF… e em respeito ao princípio da colegialidade – meio de atribuir autoridade e institucionalidade às decisões desta Casa…”
Prossegue: … em processos da minha Relatoria lavrei no mínimo dezoito acórdãos… e proferi sessenta e seis decisões monocráticas, aplicando a jurisprudência prevalecente de que não obstaculizada pelo art. 5º, LVII, da CF a execução antecipada da pena. A eles há que acrescer meus votos, idênticos, nos processos da relatoria dos demais Ministros do colegiado.”
Não se pode olvidar daquela conversa interceptada em que Lula fala a Jacques Wagner, “Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram.”. Citando a ministra Rosa.
Do ministro Barroso, a demonstrar a insegurança jurídica reinante naquele nirvana: “Desde a promulgação da Constituição de 1988 até 2009 – na verdade desde 1941 – sempre se entendeu possível a execução após a condenação em 2º grau… Aliás, nesse intervalo de 2009 até hoje, já houve quem tivesse sido a favor, contra, a favor e, agora, contra.”
Ufa! De enlouquecer.
Que o ministro Dias Toffoli honre o que asseverou na entrevista à jornalista Luiza Muzzi (O Tempo), ao que parece com muita convicção.
Não honrou.
O ultraje de toga à Nação Brasileira ao vivo e a cores ocorreu no dia 7 de novembro de 2019 na Corte, dita suprema. As palavras do ministro Dias Toffoli que condenaram Luís Estevão, abordadas na entrevista acima citada, servem agora para livrar outros corruptos do mesmo jaez:
– Repórter: “Como o senhor enxergou a reação do meio jurídico quanto à posição do Supremo sobre a prisão em segunda instância?
– “Eu sempre tive comigo que não era necessário aguardar o recurso especial junto ao Superior de Justiça, nem o recurso extraordinário junto Supremo Tribunal Federal… mais de 26 recursos… se eu não tivesse tomado uma atitude drástica… ele estaria solto… último dia para a prescrição… artifício… inúmeros e inúmeros recursos…
Convicção de circunstância. Outros “luíses” tiveram ou terão mais sorte…
O mundo da decência caiu…
Ernesto Caruso, Administrador
Ernesto Caruso