Por Waldo Luís Viana*
Esse estória de que a Nação foi a última a entrar na crise e o primeira a sair, uma fórmula apropriada para alunos de Economia quando estudam materiais e estoques, não serve, entretanto, para explicar o atual quadro econômico e é conversa pra boi dormir…
O governo, aconselhado por maus marquetólogos, aposta todas as fichas numa virtual reversão de expectativas da população, como se economia fosse sabonete, o que, no fim, resultará em maiores perdas e danos. Antes diziam-nos: crise? que crise? Não há crise. Logo depois: ah, não passa de marolinha… Mais além: a crise existe, mas não é nossa, foi produzida por “hiperbóreos” (seres gigantes, extraterrestres, brancos e de olhos azuis) e nos atingiu, mas estamos fortes; andando mais um pouco: chegamos ao fundo do poço, mas estamos saindo… O papo parece com aquela velha piada: estamos à beira do abismo, não obstante, com coragem, prosseguimos…
Restaram, realmente, quatro empresas sólidas para sustentar as bravatas do presidente: o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNDES e a Petrobrás.
Constituídas e elevadas muito antes do governo do PT e não privatizadas em razão do veto resoluto e silencioso das Forças Armadas (elas, apesar de tudo, ainda existem!) – tais empresas servem de sustentáculo à economia do Brasil, que, de resto, está sofrendo de profundo e contundente estado de choque.
A economia virtual e especulativa, encastelada no exterior, que sofreu o terrível revés de acolher o capitalismo como pensamento único, somada aos equívocos de gestão praticados por um governo megalomaníaco, gastador e fingidor (mendigo em andrajos, fumando charutos Cohiba) trouxeram-nos até aqui: uma economia que, em oito anos, teve por único objetivo a formação de imenso superávit primário para rolar a dívida interna astronômica, agradar nossos agradecidos credores e manter intato o poder e a popularidade presidenciais.
Tais resultados foram obtidos através de juros estratosféricos, praticados internamente, que permitiram o controle monetário da inflação (não estrutural) e do aumento da carga tributária, que financiou a máquina do Estado para que praticasse a maior farra empreguista da história desse país!
Deu no que deu: não tivemos reforma política e tributária, não profissionalizamos a burocracia estatal, que depende de favores patrimonialistas e ingerências políticas, e presenciamos o séquito de problemas de infraestrutura em educação, saúde, saneamento básico e transportes, setores permanentemente estrangulados e deficitários.
Em suma, temos um governo que retorna à república velha e ao período de Getúlio Vargas, no apogeu do DASP: incentiva-se nos brasileiros o sonho de tornarem-se funcionários públicos para não serem demitidos!
Criou-se um Estado em que os seus gestores jamais podem ser demitidos por quem realmente o sustenta, pagando os impostos mais escorchantes do planeta, que fariam corar até os assassinos de Tiradentes!
Lembram-se dos tempos em que havia greves e o anseio por aumentos salariais? Pois são coisa do passado, típicas do museu da história! Quem vai recorrer às paralisações das décadas passadas, a não ser os setores protegidos do setor público? Na área privada, que mal se aguenta em pé, o tom, quase em uníssono, é preservar a qualquer preço os empregos, mesmo à custa de redução de salários. Qualquer coisa, menos a demissão e o posterior desemprego, o fruto mais belo do capitalismo neoliberal galopante, infelizmente só encarado como veneno pela mão-de-obra barata e indefesa. Greves, de verdade, só mesmo nas quatro empresas acima referidas, que constituem nosso pseudo-quadrilátero de prosperidade!
Paradoxalmente, o único personagem deste governo que estava certo é o vice-presidente José Alencar que, com sabedoria mineira, sempre alertou para o perigo dos juros altíssimos num país de subconsumo. Agora, praticar o que ele falava há tempos já não vale, porque Inês é morta: o povo, que subconsumia, agora está esquálido. Os ricos, que antes investiam, agora estão com medo, como a Regina Duarte e a Rede Globo, no passado…
E o governo, cujo único e obsessivo objetivo é se autorreproduzir em mais um mandato, acena com mentiras: engordamento do PAC, um milhão de casas populares e outras mágicas que, com certeza, virão até o segundo semestre de 2010, iguais ao programa fome-zero, que “eliminou a fome” nas regiões mais pobres do país.
Enquanto isso, o que vemos, na prática, são estados da federação e municípios em plena situação de falência, pedindo dinheiro à União de maneira agressiva e tempestiva, em virtude de não sentirem firmeza nas perspectivas de futuro, apesar de tudo o que o governo diz!
O Banco Central retira do mercado 70% dos recursos bancários captados, esterilizando-os para rolar a dívida interna e garantir os atuais níveis de inflação. Assim os spreads cobrados pelos bancos não podem ser baixados, assim como o tímido decréscimo da taxa básica de juros impede a reformulação das políticas de créditos, que pudessem ser oferecidas a pessoas físicas e jurídicas já endividadas. Como dinheiro chama dinheiro, quem não o tem não expande os negócios e perde a oportunidade de prosperar…
Não dá mais para espremer ninguém, buscando recursos, porque os agentes econômicos, como um todo, estão pagando dívidas e altos impostos e possuímos pouquíssimos setores capazes de investimento. Então, o que acontece, em verdade, é desaquecimento, desinvestimento e aumento do número de demissões, no atacado.
Ocorre que, como o sindicalismo é pró-governamental, não há nenhum protesto, nenhuma tentativa, como no passado, de greve geral, nenhum movimento orgânico contra o que está aí, porque o que está aí é deles…
Os empresários e suas entidades eternamente obedientes, por sua vez, sempre esperam milagres do governo, que absolutamente não virão. Não há mais de onde tirar fundos e subsídios, porque os que havia foram todos utilizados e esgotou-se a imaginação burocrática em oferecer oportunidades fáceis ao setor privado. O que é engraçado é que, meses atrás, os adeptos do Estado mínimo alegavam que seria a atividade privada quem deveria financiar o setor público pela dificuldade congênita deste em gerar investimentos. Tal reviravolta configura a extraordinária capacidade de readaptação ideológica do patronato, supondo-se a realidade da crise.
Restam, então, dois cenários possíveis, dada a crise real e a aproximação das eleições presidenciais de 2010, ansiadas de maneira profunda pelo presidente e seu esquema sucessório. O primeiro é o PT, coligado ou não, vencer o pleito presidencial; o segundo é não vencer e passar de novo à oposição. Neste último caso, assistiremos a um verdadeiro incêndio no Brasil, com as centrais sindicais, os movimentos sociais e estudantis novamente se levantando, de um longo e imenso sono que se nutre da solidez de quatro empresas ainda prósperas e de um estado totalmente aparelhado, que hoje eles defendem e apóiam com unhas e dentes…
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* Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta, considerado, porém, meio quixotesco, porque acredita que vivemos “realmente” numa crise.
Teresópolis, 16 de abril de 2009.