CONSCIÊNCIA HUMANA
Ernesto Caruso, 30/11/2006
Brasileiros de todos os tempos se aprochegaram a esta terra bendita pelo meio que a História registra, desde os primitivos, cognominados por equívoco de índios, esparsos, tribais, antropófagos, guerreiros, aos mais recentes que aqui aportaram e descendentes, conseguindo se unir de norte ao sul, de leste a oeste na Grande Pátria pela obra de Deus e mãos de homens de valor.
Dessa gente, um nome pode ser lembrado a cada momento de reflexão a exigir a justa homenagem pelo bem que fizeram e herança que deixaram. Loas a todos, mas como um dos exemplos do tema, justiça se faça ao insigne militar — MARECHAL JOÃO BAPTISTA DE MATTOS — cuja existência é um repositório de dignidade.
A sua vida militar é um modelo de dedicação como lídimo representante da Arma de Infantaria, quer à frente da tropa em combate, quer como instrutor e administrador, atingindo com brilhantismo os mais elevados postos da carreira.
Adepto e cultor do conhecimento por excelência não poupou esforços, agregando à sua formação militar o estudo das Ciências Jurídicas e Sociais, ainda como capitão, em 1937, deixando uma lição a tantas turmas que se sucederam na busca de um diploma na área civil, que na maioria das vezes, funciona como vasos comunicantes fluindo a vida da caserna à outra parte da sociedade e dela sorvendo o néctar que deve fortalecer o espírito de brasilidade, integração de uma grandiosa Nação.
Laborioso, deixou 13 obras sob o título Os monumentos Nacionais, Imprensa Militar, 1947 que hoje integram as coleções de Obras Raras das bibliotecas, não se limitando aos aspectos iconográficos, nem aos componentes paisagístico, descritivo e turístico. Não. Veramente é parte integrante da Geografia e da História locais.
Como ilustração, cita-se a criação da distante Cruzeiro do Sul no portal do Acre que nos apresenta uma contribuição colhida da obra do Marechal, além de servir de fonte a outras publicações em diversas bibliografias, irradiando a cultura e elevando o nome do Exército:
“As contendas entre brasileiros e peruanos tiveram fim com a expulsão destes, estabelecidos em posto militar na foz do rio Amônea, após forte combate travado naquele local, no dia 5 de novembro de 1904, entre tropas brasileiras do 15° Batalhão de Fronteiras do Exército, reforçadas pela ajuda dos proprietários importantes dos arredores e as forças peruanas do posto militar, que totalizavam 80 homens armados e municiados”.
Prestou serviço na museologia nacional e na do Exército, foi Presidente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Diretor-Tesoureiro da Sociedade Brasileira de Geografia, membro-titular da Academia Guanabarina de Letras e da Academia de Letras de Marquês de Valença, além de sócio correspondente de instituições estrangeiras.
Deixa como legados, entre tantos atributos, a perseverança e um expressivo padrão de família bem constituída, de origem pobre, neto e bisneto de escravas, mas que pais e filho, único que era, deram prioridade ao trabalho e ao estudo, vencendo barreiras de toda a ordem; nascido em 1900, apenas doze anos após a Abolição, já era cadete em 1918 deste Exército que abraça a todos brasileiros indistintamente, de origem africana, européia, americana e asiática, ricos e pobres; foi declarado Aspirante a Oficial em 1921 e promovido a General em 1955, coroando a exitosa carreira.
Um homem nobre, um militar de escol, um educador que tem o seu nome perpetuado em colégio estadual no subúrbio de Coelho Neto e na Delegacia da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, ambos no Rio de Janeiro.
Parâmetro de vitória da consciência humana, transparente como a alma, pura, água cristalina, inodora, insípida e incolor, que unge a união e abomina a segregação pela forma, como se o ser ou não ser desse o aval para uma qualificação.
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COTAS HUMILHANTES
Ernesto Caruso, 24/03/2004
O mundo assiste constantemente cenas de violência decorrentes de intransigência religiosa e racial. Na nossa mente, tais fatos seriam coisas do passado. Da barbárie, dos livros e das profundezas da História da humanidade. Não. Estão presentes e a televisão colabora nos colocando, não como espectadores dos circos da maldade, mas como figurantes impotentes, inermes, imunes fisicamente, no meio das arenas encharcadas de sangue. Kosovo, sérvios, albaneses, ETA, bascos, Irlanda do Norte, IRA, palestinos, judeus, chechenos.
No Brasil, temos a intolerância das torcidas organizadas, que agridem a pau, até a morte, o admirador da equipe adversária.
Interessante que essa agressividade inexiste quando se trata de um parente ou amigo torcedor de outro time. No máximo, uma gozação diante de uma derrota. O sorriso no lar vira baba de raiva nos estádios e vizinhanças. Matar ou morrer, tanto faz, para vingar a honra dos vencidos em campo, “pobres coitados” que deixarão de somar o “bicho” aos milhões que ganham dos clubes do momento.
Já a intolerância religiosa foi ensaiada, fez passeatas e chutou imagens, mas não deu muito certo neste solo fértil onde vicejou o sincretismo religioso, semeado pelas culturas que aqui aportaram. Quantas famílias se unem a despeito do Deus que adoram. Quantos amigos se abraçam nas comemorações, estudam ou trabalham juntos sem a mínima preocupação com a religião que professam.
A intolerância racial está sendo costurada pelos interesses pessoais e eleitoreiros e por uma ingenuidade e altruísmo, dos que não sentem a intenção de alguns em fomentar mais uma divisão na Unidade Nacional. De uma feita, fermentam a questão das “nações indígenas” — os brasileiros primitivos — e de outra a dos afro-descendentes. Inaceitáveis diante dos séculos de miscigenação.
As cotas para os afro-descendentes é uma “genial” descoberta, como se fosse fácil encontrar um critério justo para definir quem o é, dentre os brasileiros, para atender àqueles que pretendem impor suas condições à sociedade. A UERJ pôs à disposição do candidato definir a própria cor da pele. A UNB exige fotografia e submete a uma comissão determinar pela aparência os caracteres de afro-descendente do candidato, o que fatalmente conduzirá a erros. Manifestações e ações judiciais proliferam. Alguns, com essas características e já matriculados, não querem carregar um rótulo de inferioridade, pois lhes ferem os brios. Outros que se preparam para o concurso, também não admitem. Não há unanimidade; existem os favoráveis.
Têm razão os que repelem esse tipo de protecionismo humilhante, pois não concordam com o atestado de inferioridade étnica, até porque são frutos do amor de pais e mães das diferentes origens; quando os olham, sentem orgulho de ambos, sem discriminá-los, nem ordená-los.
Como ficou demonstrado no 46º Congresso Nacional de Genética, estudos indicam que 45 milhões de brasileiros têm herança genética dos silvícolas e que praticamente não há afro-descendentes sem miscigenação no Brasil. Assim, raramente algum brasileiro, com raízes profundas, poderá dizer: “Sou 100% branco” ou “Sou 100% negro” , mas todos podem escrever nas suas camisetas: “Sou 100% brasileiro”.
Ora, as ações judiciais, inicialmente voltadas para as vagas nas universidades, passam a confrontar gente de tez mais clara e mais escura, produzindo uma dicotomia negativa, incentivando a intolerância racial, aquela tratada no início deste texto, que abominamos, além de passarmos a ter cidadãos de primeira e segunda classe. Inadmissível entre brasileiros.
Já a UFRJ dá um passo adiante, quando está pretendendo criar cotas para gente pobre advinda das escolas públicas, onde estão os brasileiros de todas as origens. Ser pobre é uma condição de inferioridade econômica, mas não de etnia. Apoio ao ensino e criação de emprego farão melhorar a mobilidade social.
Outros tentaram demonstrar superioridade racial e não deu certo.
(Publicado n’ O Farol, abril/2004)
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SOMOS TODOS BRASILEIROS
Ernesto Caruso, Dez/2000
O Censo em andamento por todo o País trouxe à baila um tema, bastante discutido pela televisão e jornais, versando sobre a cor da pele do brasileiro. Uma declaração se destacou sobremaneira. O entrevistado, muito simpático e se não me engano baiano, com um largo sorriso, diz: “Eu não sou preto; preto é carvão.”
Estas poucas palavras merecem profunda reflexão, pois demonstram a sensibilidade existente no homem comum, reagindo, talvez sem perceber, contra os padrões usuais para se determinar a cor da pele. Como podem ajudar os antropólogos? Os dissociadores destacam as diferenças, pois quanto mais confronto, melhor. As cores que os entrevistados lhes atribuíram são as mais diversas possíveis corroborando a idéia inicial referente às dúvidas existentes sobre o assunto: marrom, moreno, pardo, mulato, negro, chocolate, jambo, mestiço, etc. Um outro mais confuso, resultado dos estereótipos que lhes impregnaram a mente, diz: “Eu sou negro, pois filho de negro, negro é.” Talvez tivesse um pequeno percentual de origem africana, em comparação com as suas raízes européias e as do brasileiro primitivo.
Parece ser um absurdo a designação da cor da pele em função do que se convencionou chamar de cor branca e cor preta. Não há gente branca, nem preta. Aquele que se achar branco, passe uma tinta branca na própria pele e tire a conclusão. O que se considera preto, pincele a sua pele com tinta preta. Com certeza darão razão ao baiano sorridente, quando afirmou que preto é carvão. Provavelmente o “branco” dirá que branco é giz. Assim, há que se encontrar um novo modo de determinação da cor da pele do brasileiro, rejeitando-se mais esse rótulo desagregador, valorizando-se, em contra-partida, a questão versando sobre as origens dos entrevistados. O non sense da pergunta conduzirá à obtenção de resultados insatisfatórios aos pretendidos pelo censo, ao contrário da visão que os brasileiros teriam se a consulta abordasse os ancestrais, partícipes da grande, singular e cosmopolita miscigenação.
Os brasileiros, forjados ao longo do tempo, são o resultado das vagas migratórias ocorridas nesses quinhentos anos e em milhares de anos, onde nossa mente possa atingir e imaginar a chegada dos brasileiros primitivos, sabe-se lá como, chamados de índios, pelos portugueses da Esquadra de Cabral. Outros “descobridores” foram se sucedendo, africanos, espanhóis, italianos, alemães, asiáticos, árabes, poloneses, judeus, russos e tantos mais,gerando brasileiros de ontem, de hoje e de sempre, agregando componentes sangüíneos e culturais de entrelaçamento permanente.
Que este caldeamento seja um motivo de orgulho do nosso povo, que soube enfrentar e expulsar os invasores de toda a ordem no curso da História, marcada fundamentalmente pela defesa da Nação Brasileira, na Batalha dos Guararapes, em 19 de abril de 1648, empreendida pela contribuição decisiva das forças luso-brasileiras de Vidal de Negreiros, Felipe Camarão, Henrique Dias e Fernandes Vieira, representando os brasileir os primitivos e os de origem européia e africana. Louve-se esta data como o Dia da Etnia Brasileira.
Os formadores de opinião têm responsabilidade nesse processo, a começar por abolir qualquer referência à cor da pele, quer positiva pela vitória alcançada, quer negativa pelo delito cometido. Não podemos nos referir a um descendente de asiático de “japonês” ou “chinês”, porquanto sendo brasileiro, precisa ser tratado como tal. Também não devemos chamar de “gringos” outros tantos que adotaram esta terra como Pátria. Não são atitudes simpáticas, educadas e muito menos aglutinadoras. Todos nós temos orige ns próximas ou longínquas de algum migrante estrangeiro. Absorvemos muito das suas tradições, curtimos suas músicas, aplaudimos suas danças e vivemos suas festas, mas somos brasileiros. Os destinos das pessoas não podem ser marcados por suas características de identificação e nem as carteiras de identidade têm mais essas informações. Nossa preocupação tem que ser outra.
A sociedade precisa zelar pelo bem-estar do cidadão. Fazer com que todos vivam com dignidade, participando e comprometendo-se com o desenvolvimento da Nação e usufruindo dos seus benefícios independentemente da cor da pele e das suas origens.
PUBLICADO N’ O FAROL, DEZ 2000