Ação e reação desiguais

Das leis da Física, na interação de dois corpos, “Toda ação provoca uma reação de igual intensidade e em sentido contrário” (I. Newton). Na Psicologia, estímulo, organismo e reação/resposta geram variados resultados.

Ernesto Caruso, 01/05/2010

Tais práticas estão presentes no dia-a-dia da natureza humana, mas em combate, ações de guerra e policiais, ainda que sob o manto das leis, se aguçam, e às vezes extrapolam o racional. Por mais cristão que seja, o ensinamento bíblico de dar outra face perante a bofetada, não funciona. Prevalece a emoção que o medo de morrer, a raiva de ver o parceiro ferido, agonizando ou morto, a vontade de vencer, e o juramento de cumprir o seu dever, gera, em consequência, excessos das partes em contenda — reprováveis —, mas que por justiça, merecessem críticas e reprimendas de mesmo nível.

O julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que contesta a Lei 6.683/79, da Anistia, pelo STF, ajuizada pela OAB, embora mandada arquivar por 7 votos a 2, o que demonstra a inoportuna ação, passados 30 anos, bem como, a  desconsideração da direção da OAB de hoje com a de 1979 (no dizer do ministro Eros Grau que a ação proposta “feria acordo histórico que permeou a luta por uma anistia ampla, geral e irrestrita”), de um modo geral, suscitou análises de alguns ministros com a emoção dos litigantes nas ações da guerrilha urbana e rural, e não na Corte Suprema, com carpete, ar condicionado, pompa e intervalo para o lanche, por certo, com o relevo que merece.

O ministro Ayres Britto, voto vencido juntamente com o do ministro Ricardo Lewandowski, argumentou: – “Um torturador não comete crime político. Um torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. Um torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso sofrimento alheio perpetrado por ele. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde ao som do próprio chocalho. Não se pode ter condescendência com torturador. A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é a falta de memória e de vergonha, com viés masoquístico à reincidência”.

A anistia não foi um perdão coletivo?

Tão monstro, desnaturado, tarado, que se o dissesse relativamente aos terroristas que colocaram bombas no Aeroporto de Guararapes e ao carro-bomba que explodiu no QG do II Exercito em São Paulo, estaria pleno de razão. O tenente Alberto Mendes da PMSP, preso por Lamarca teve o crânio esfacelado por coronhadas. Se a esses lhes concedem anistia porque não àqueles. Ação e reação de mesma natureza, crime político em idêntico grau. Se um tem a visão de que é preciso barbarizar para impor a sua vontade, pode levar o outro a querer evitar novos atos terroristas, obtendo por meios, também ilícitos, as informações necessárias para neutralizar as quadrilhas e evitar novos atentados.

O resto é vingança própria dos inconformados.

Palavras como estupro e pedofilia também foram citadas. Tortura, condenada por todos, natural que o fizessem. Terrorismo um ou outro abordou.

Independentemente da abrangência da lei, enquadrando ou não os agentes do Estado, nos votos com destaque aos militares, pretender atribuir crime político somente a guerrilheiros e terroristas não tem a pureza da imparcialidade e nega sobremaneira a existência do outro contendor, militar ou policial, que também se excede, erra, e mais, está cumprido as suas obrigações como servidor.

Além do que, os terroristas nas ações impensadas, covardes, mataram inocentes — o cidadão comum — que não estavam empunhando armas e muito menos combatendo. Esses tarados merecem o perdão, os agentes tarados, não, por excessos cometidos. Ora, por quê?

Os supremos juízes fizeram um julgamento técnico, externando uma posição contrária à Revolução de 31 de Março de 1964, resultante da crise gerada pelo governo de então por suas ameaças aos direitos constitucionais e de compactuar com o estabelecimento de uma ditadura sindicalista de cunho marxista e da forte reação da sociedade civil, como costumam chamar, inegável e fartamente registrada nos jornais e seus editoriais.

Ficou no ar a digressão feita pelo ministro Eros Grau de que a anistia brasileira foi bilateral e só poderia ser modificada pelo Congresso Nacional e não pelo Supremo.

Dois comentários posteriores podem ser destacados.

O da candidata Dilma Roussef: “Eu não sou a favor de revanchismo de nenhuma forma. Do ponto de vista da decisão do Supremo, decidiu, decidido está.” O do secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que considerou lamentável a decisão do Supremo Tribunal Federal, concluindo que “o país tem que aprender a punir a tortura”. Ambos, ela então Chefe da Casa Civil, desencadearam o Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que está no Congresso e trata dessa matéria.

Por questão de justiça, não se pode esquecer do terrorismo quando se condena a tortura, sob pena de descumprir o Inciso XLIII do Art. 5º da CF:  – “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”.

Por equidade, falta é indenizar as vítimas do terrorismo e diante do resultado arrasador, espera-se que cessem a perseguição e acusações infundadas ao Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi escolhido para representar a vingança dos derrotados.

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