Políticos e milionário

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“Não tem mais idiota no Brasil.”
Protógenes Queiróz
[em segundo depoimento à CPI]

Por Waldo Luís Viana

http://antonini.com.br/imagens/gerais/00rs0413a.jpgFala-se muito na conduta comum dos políticos em relação ao povo. Antes das eleições, são eleitores a conquistar, pessoas concretas a contatar e ouvir, receber pedidos, propor e prometer. Após as eleições, os eleitores transformam-se em público, cuja opinião coletiva se deve medir por pesquisas, avaliar se cobram as promessas, consolidadas teimosamente em vídeos e gravações e julgar suas reações, depositadas na mídia e mais contemporaneamente pela Internet, nas contínuas remessas de e-mails.

O político tem que suportar o povo até a conclusão do processo eleitoral, depois não. Diplomado, pode curtir o mandato de quatro ou oito anos com tranquilidade, protegido pela lei que lhe garante um matrimônio indissolúvel.

O mandato não pode ser separado do político por nenhuma espécie de divórcio, a não ser as trabalhosas cassações e impeachments muito difíceis de ocorrer, e os escolhidos somente são cobrados teoricamente através da próxima eleição. E como a memória do eleitor é curta ou inexiste, o político está realmente protegido e argumenta que o que não pôde fazer é culpa da sociedade, das instituições ou do destino. Há sempre enorme estoque de justificativas para quem promete, não cumpre e quer se reeleger. Afinal, a luta continua…

Refugiado em palácios, câmaras e assembléias, com um conjunto de mordomias indevassável, depois de se livrar do povo, infelizmente, o político tem que recomeçar outro jogo terrível, quase imperceptível, que dura os quatro ou oito anos de mandato: arranjar recursos para a próxima eleição.

As eleições são um processo muito caro em qualquer país capitalista. Em nosso país, a Constituição permite a qualquer um se candidatar e se eleger, mas esse é um direito apenas formal, sem nenhuma garantia. O acesso ao jogo eleitoral é franqueado a muitos, ambiciosos cidadãos que se metem no jogo e servem de tapete e escada para os espertos, que se aproveitam da estrutura arcaica do voto proporcional para se eleger, a custa dos votinhos suados dos incautos, que se aplicam a tentar representar o povo através das chapas esotéricas oferecidas pelos partidos. Essas figuras anônimas se metem no jogo eleitoral, vendem bens de raiz para pagar os custos de campanha, gastam muito dinheiro e saem com as mãos abanando, porque o funil é muito estreito.

Não é o caso dos políticos profissionais, que sabem onde estão os recursos e vão atrás deles durante todo o mandato duramente conquistado. E procuram quem tem dinheiro, isto é, empresários, oligarcas, banqueiros e plutocratas. Estes se oferecem, geralmente financiando candidatos em todos os partidos, sem qualquer pudor ou  preconceito ideológico, à luz da proteção de interesses de todo gênero: confessáveis, inconfessáveis e até corruptos…

E como o político se humilha e se dobra diante deles, repetindo o que fazem com os eleitores após as eleições! Pedir dinheiro aos milionários para depois tentar receber os votos dos eleitores – eis o drama dos políticos. Raros são os que enriquecem nessa trama, como intermediários, e passam a não depender dos ricaços nas próximas eleições. A bola 7 não cai na caçapa para a maioria, que vive na corda-bamba: captar recursos que serão completamente gastos num processo eleitoral que é verdadeira loteria.

Político sofre muito, porque, afinal, não se sabe quantos precisam roubar pra se eleger e se eleger para roubar! E os milionários não têm paciência: quando chega o período de “abrir as burras” para a campanha, deixam os candidatos esperando nas antesalas dos escritórios, o mesmo “chá-de-cadeira” que os últimos dão aos eleitores nos gabinetes, depois de eleitos…

Existem as contribuições por dentro e por fora. O dinheiro legal para as eleições é sempre muito curto e não chega para eleger qualquer um deles. O grosso dos recursos vêm dos caixas 2 e 3 (um pode ser perseguido e o outro, não). O caixa 2 surge em malas pretas de filme, dinheiro sonante guardado não sei aonde, não se sabe por quem ou oriundo do exterior. Ele, porém, aparece, como nas mágicas do Harry Porter, e os acordos que suscita não são absolutamente escritos. Já o caixa 3 depende de jogadas eminentemente escusas e jamais é comentado. Simplesmente não existe!

A maioria dos políticos cumpre o que promete aos milionários! Tornam-se bons ventríloquos porque senão não serão abonados nas próximas eleições. Infidelidade de político só ao eleitor, não aos verdadeiros patrões…

No Congresso, em geral, eles pertencem ao chamado baixo-clero. É aquele segmento de deputados e senadores que não discursa muito, pouco faz barulho, mas trabalha na hora “h”, isto é, quando os que financiaram as suas eleições cobram a conta, no orçamento, nas licitações e nas obras que têm que ser agenciadas, contratando empresas, ONGs, empreiteiras ou megacorporações.

Todos esses senhores são patrimonialistas e neoliberais, na prática, e não acreditam em almoço grátis. Fazem o trabalho surdo de lobby nos ministérios, nas agências e secretarias governamentais sem qualquer pudor, defendendo os maiorais, que não têm muita paciência com os preguiçosos.

Ai de quem não cumprir os pactos não escritos! Esses contratos inexistentes prevalecem e, caso rompidos, condenam a maioria dos políticos ao limbo e à infelicidade. Ficar sem mandato é o inferno. Permanecer simplesmente no Congresso também é ruim, porque o lugar é um túmulo e candidato eleito só faz carreira e ganha notoriedade mesmo se passar para o Executivo, seja como prefeito ou governador. Político bom e respeitado, só o que nomeia e demite – diz a lei não escrita!

Excetua-se, nesse jogo, a presidência, porque é questão de sorte e história, não depende simplesmente do jogo sórdido, porque o sujeito que pode se eleger presidente está um pouco acima das arapucas dos milionários, podendo olhar para eles de igual para igual. Candidato a presidente não é empregado, é sócio. Olha os grandalhões no mesmo plano, mas como precisa de muitos recursos (cerca de 30 milhões de dólares) está jungido a diversos acordos subterrâneos, cumprindo notar que, após as eleições, tem liberdade para descumpri-los, em razão do tamanho de suas responsabilidades e da legitimidade do próprio poder.

Se com presidente não se brinca, com os demais políticos a farra é mais ou menos consabida. O Brasil, que é um grande país, tem Brasília como um feudo em que se concentram os pecados do poder em poucos quilômetros quadrados. Cercada por um cinturão de pobreza e miséria, a cidade instalou o jogo do poder em polvorosa, uma espécie de Las Vegas num deserto de virtudes, em que lobistas, empreiteiras, políticos, assessores e jornalistas se juntam na voracidade da disputa de posições, cargos e virtudes públicas, em que o butim pode ser dividido por todos.

E o povo assiste a esse jogo de longe, conformado, e os políticos tiram férias dele por quatro ou oito anos, desde que fique distante, atrás dos cordões de isolamento…

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Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta, concordando com Platão, em Ética a Nicômano, que dizia ser preciso um mínimo de recursos para um cidadão (grego, naturalmente) ser honesto…