A maldição do vice

“Sequer cogito esta possibilidade (de ser vice).
Até porque acho que isto não é necessário.
O meu apoio ao José Serra, se ele vier a ser o candidato
do meu partido, independe de qualquer posição na chapa.
Acho, inclusive, que num quadro partidário tão plural
quanto é o brasileiro, em que nós devemos buscar
novas alianças, novos parceiros para governar,
seria uma certa presunção do PSDB achar que
solitariamente deva compor uma chapa.”

Aécio Neves

Por Waldo Luís Viana*

Em política tudo muda permanentemente. O truísmo é semelhante àquela frase idiota: futebol é uma caixinha de surpresas. No entanto, a obviedade continua valendo. O que permanece, todavia, é o imenso orgulho de nosso presidente que acha que pode fazer chuva, cancelar crise, gripe e até câncer. Na verdade, ele “se acha, mermo, meu irmão”…

A própria opção Dilma, cercada de mau agouro, é típica do voluntarismo e da teimosia presidenciais, uma consequência do culto à personalidade que ele próprio cultivou em torno de si. Com os últimos acontecimentos médicos relativos à provável sucessora, a pressão toda começa a se voltar para a escolha do vice e, como a história sempre se repete como farsa, há de ser escolhido um sujeito muito esperto, com um charme brasileiríssimo e patrimonialista bem ao estilo Sarney. Quanto aos áulicos de sempre – alguns mais realistas que o rei –  querem mesmo um terceiro mandato, mas para isso não há mais tempo, porque dependeria da lentidão e conhecida eficiência do Congresso. Então, embolou o meio de campo…

Lula, ademais, já acostumou o povão com a sua saída em 2010 e o provável retorno triunfal em 2014 (umas férias do poder de quatro anos, aliás, talvez lhe caíssem bem, até para quem não precisa mais trabalhar e pode viver de “consultorias”, como os demais políticos), o que não requer qualquer reforma que, no fundo, ele próprio não deseja.

O presidente esmagou em oito anos o PT e sufocou o surgimento de qualquer liderança alternativa, que lhe fizesse sombra, da mesma forma como os generais-presidentes o fizeram, entre 1964 e 1985: não permitiram que fosse constituída uma nova elite política no país. Os militares apenas cevaram, no controle da administração, uma casta tecnocrática, liberal, antipática e neutra, e, ao final, a despeito de todos os esforços do PMDB do Dr. Ulysses, as antigas lideranças civis de antes de 1964 retornaram, anistiadas, como “novidade”.

Nesse contexto, consolidou-se o PT, mas após a eleição do presidente, em 2002, tornou-se um partido de lideranças burocráticas e de mero aplauso. Onde estão os contestadores e rebeldes, os que incendiavam o Congresso com a oposição sistemática e sem perdão? Sumiram todos na bruma do aparelhamento da máquina estatal e, em troca de cargos, para si e seus companheiros, transformaram-se em  uma gigantesca facção corporativa a favor, sem humor ou qualquer brilho.

O candidato natural, que era José Dirceu (“eu quase estou convencido de minha inocência”), foi cassado pelos malfeitos do mensalão na Câmara dos Deputados. Era o único que poderia galvanizar o partido inteiro e o público porque, a despeito de tudo, tinha algum carisma. De qualquer forma, ainda espera anistia do magnânimo Supremo Tribunal Federal…

Se a oposição tiver tutano e não pensar como tucano, deve se unir em torno dos dois candidatos sempre oferecidos: São Paulo e Minas retornando com o café-com-leite previsível da República Velha, lembram?

No entanto, o que embola o jogo é que Lula quer fazer, por vaidade de quem “se acha” dono do mundo, o sucessor. Querer Lula de novo todo mundo quer, êpa! eu não!, mas “mais quatro anos” desgasta muito a imagem, “sabe, cumpanhêro, queu num tô veno jeito de cunsertá essa tal crise mundial”  e “nunca nezte paize” alguém vai “dexá de tê saudade de mim”, etc. Por conseguinte, ele preferirá dar um tempo e se balançar por aí viajando, à custa dos empresários paulistas, em torno de palestras, conferências, encontros, simpósios e contatos internacionais, que só melhorem o seu cacife para o futuro.

E o sucessor vai pegar no colo toda a herança maldita que aí está e diante dela não há câncer que resista. Então, olhemos para o candidato a vice, essa excrescência democrática em tempos de Internet, globalização e mundo interligado. Vice para quê, se sempre foi uma entidade fantasmagórica, forjadora de crises, como se houvesse pecado em convocar eleições com a morte ou o impedimento de um presidente livremente eleito?

Como vice não faz nada e ainda roga praga, eles assumem o cargo sem votos, não fazendo sombra ao titular, mas sempre herdam o mandato em plenitude, com o povo esperando por nova solução assim que surja a oportunidade.

Os vices norte-americanos sempre foram assim, não possuindo  força alguma para tentar novo período e tendo que abandonar o palco em favor de uma candidatura nova. No Brasil, José Sarney foi um presidente-herdeiro fraco, completamente tutelado pelas Forças Armadas e pelo PMDB, enquanto Itamar Franco, vice de Collor de Mello, nem esquentou lugar, sendo substituído por Fernando Henrique Cardoso, o menchevique, que, tal como Kerensky, na Rússia, arrumou tudo com a sua vasta incompetência para o sucessor de oposição. E essa revolução pelo voto nós estamos sofrendo até hoje…

Agora Lula está num impasse: como destruiu todos no PT e pretendia colocar um burocrata em seu lugar, sem qualquer carisma ou voo próprio, agora encontra-se na eventualidade de ter de pensar num vice aglutinador, com força política, mas que, em contrapartida, pode ameaçar seus planos de retorno, em 2014.

O que fazer, hein, presidente? O que a sua esperteza telúrica irá buscar entre tantos homens inconfiáveis que lhe cercam e compõem a corte venenosa de Brasília? Qualquer um que for vice de Dilma, acordará depois de indicado como bomba-relógio ambulante para o futuro presidencial. Mesmo que seja do PT, porque a vingança e a ingratidão na história vêm a galope e pela porta dos fundos…

Ainda mais porque o culto à personalidade, sem paredão, cansa muito, até os áulicos, extenuados com a arte febril de puxar o saco. Eles querem sempre um novo senhor e os ares democráticos de 2010 estão chegando (2009 já está por um fio) e a goela do PMDB cada vez mais escancarada…

Com os escândalos de corrupção e falta de decoro se sucedendo, o povo tornou-se acostumado à atmosfera de maracutaia geral e pouco se importa, na verdade, quem será o candidato. Se canceroso ou Ali Babá, tanto faz, desde que a esmolinha do bolsa-família e a fantasia do fome-zero continuem de pé, somadas ao futebol e programas consagrados de televisão, o resto vai se arrumando “entre eles”, que o Brasil sobrevive com praia e carnaval para todos. Ricos e pobres nos mesmos lugares, ah, desculpe, mais respeito: pobres agora têm cotas,  com  que podem pela primeira vez se divertir e reivindicar.

Mas, convenhamos, nada mudou muito, não é mesmo? Virá um vice, que não escolheremos, para decidir por nós o que escolher. Pobre Brasil!

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*Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta. E não deseja, de modo algum, ser candidato a vice.
Teresópolis, 10 de maio de 2009.


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